Ilhabela (SP), o maior cemitério de navios da costa brasileira.

No litoral norte paulista, Ilhabela é reconhecida por suas paisagens deslumbrantes e natureza preservada. Porém, suas águas escondem um passado marcado por tragédias marítimas que transformaram a região no maior cemitério de navios do Brasil.

Com uma costa repleta de costões perigosos, ondas agitadas, ventos impiedosos e neblinas que encobrem a visibilidade, navegar por ali sempre foi um desafio. Ao longo dos séculos, muitas embarcações, desde simples pesqueiros a grandes transatlânticos, encontraram seu fim entre essas águas traiçoeiras.

O primeiro naufrágio conhecido ocorreu em 1884, quando o Dart, navio inglês que combinava velas e vapor, perdeu o rumo nas pedras de Itaboca durante uma cerração densa. Com apenas dois anos de operação, o navio afundou rapidamente, levando consigo passageiros e cargas valiosas, como malas postais e café.

Nos primeiros anos do século 20, os acidentes se tornaram frequentes e mais graves. Em 1905, os vapores brasileiros Vitória e Atílio afundaram próximos à costa. O navio Vitória encalhou na laje do Araçá, próximo a São Sebastião, e o Atílio após colisão com o veleiro Alttanir na Ponta da Pirabura. No ano seguinte, o vapor francês France teve o casco rasgado após a bússola sofrer interferência magnética nas pedras da Ponta da Piraçununga, o que desviou sua rota e causou o naufrágio.

Mesmo navios de maior porte não escaparam. Em 1908, o Velasquez, navio inglês que fazia a rota entre Buenos Aires e Nova Iorque, encalhou na Ponta da Sela durante mar agitado. O rebocador Milton realizou o resgate, mas parte dos passageiros optou por ficar na ilha, fascinados pela paisagem, enquanto outros desapareceram nas matas próximas.

A Marinha também sentiu o peso das águas traiçoeiras. Em 1913, o rebocador Guarani colidiu com o vapor Borborema perto da Ponta do Boi durante uma tempestade. Em 1920, uma cerração quase provocou uma colisão entre o navio Teresina e o veleiro inglês San Janeco na Ponta de Itapecerica. Ainda naquele ano, o veleiro alemão Almirante Siegmund naufragou após bater nas pedras do Borrifos.

Em 1916, Ilhabela foi palco do mais trágico naufrágio já ocorrido em águas brasileiras. O transatlântico espanhol Príncipe de Astúrias, que partiu de Barcelona com destino a Buenos Aires, afundou na madrugada de 5 de março após colidir com os costões da Ponta da Pirabura, durante uma tempestade e forte neblina. Oficialmente, foram confirmadas cerca de 445 mortes, com 588 pessoas a bordo.

No entanto, estima-se que o número real de vítimas seja muito maior, possivelmente ultrapassando mil, devido à presença de refugiados e passageiros clandestinos que viajavam nos porões do navio. Essa tragédia é considerada a maior perda marítima da história do Brasil e ficou conhecida como o “Titanic brasileiro”, marcando profundamente a fama de Ilhabela como uma região de navegação traiçoeira.

Durante a Segunda Guerra Mundial, navegar pela região ficou ainda mais arriscado. Submarinos alemães afundaram o navio norte-americano Eliuhud Washburne perto da Ponta do Boi e o navio brasileiro Campos foi vítima do U-170.

Nas décadas seguintes, o avanço tecnológico, com a instalação de radares e melhores equipamentos, ajudou a diminuir os acidentes. O último naufrágio registrado foi em 1961, quando o pesqueiro brasileiro Urucânia foi arremessado contra os costões dos Frades em meio a um temporal.

Ilhabela ainda guarda as cicatrizes de um mar que já foi palco de inúmeras tragédias. Suas águas, especialmente em dias de mau tempo, podem se mostrar extremamente agitadas. Essas condições adversas fazem da navegação local um verdadeiro desafio.

Foto: Navio cargueiro espanhol Concar encalhado sobre as pedras nas proximidades da Ponta de Piraçununga, em Ilhabela (SP), em 1959.
Imagem: Reprodução Internet

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